dezembro 27, 2009

2010

tudo no teu sorriso diz
que só te falta um pretexto
para seres feliz

Mário Cesariny


Um excelente 2010 para todos.

dezembro 23, 2009

Parede.

Inventa uma parede
onde possas encostar-me o corpo
pressionado pelo teu.
Uma parede de textura suave.
Uma parede única,
onde nos encontremos.
Inventa uma parede para o amor.


Silvia Chueire

dezembro 22, 2009

Agora sei quem és...

"Tinham passado um dia e uma noite inteiros nus, juntos, e durante a maior parte desse tempo não mais do que alguns centímetros afastados. Desde bebé que ninguém, além dele próprio, tivera tanto tempo para examinar como era feito. Como não havia no longo e pálido corpo dela nada que ele não tivesse observado, nada que ela tivesse ocultado e nada que ele não conseguisse recordar agora com uma percepção de pintor, com o conhecimento estético meticuloso e excitado de um amante, e como passara o dia inteiro não menos estimulado pela presença dela nas suas narinas do que pelas suas pernas abertas nos olhos da sua mente, a conclusão lógica era que não podia haver no corpo dele nada que ela não tivesse absorvido microscopicamente, nada naquela extensa superfície onde estava gravada a sua singularidade evolutiva auto-adoradora, nada na sua configuração única como homem, na sua pele, nos seus poros, nas suas patilhas, nos seus dentes, nas suas mãos, no seu nariz, nas suas orelhas, nos seus lábios, na sua língua, nos seus pés, nos seus testículos, nas suas veias, no seu pénis, nas suas axilas, no seu rabo, no emaranhado dos seus pêlos púbicos, no cabelo da sua cabeça, na penugem do seu corpo, nada na sua maneira de rir, dormir, respirar, nada nos seus gestos, no seu odor, no modo como estremecia convulsivamente quando se vinha que ela não tivesse registado. E recordado. E reflectido sobre.
A causa disso era o acto em si, a sua intimidade absoluta quando não só estamos dentro do corpo da outra pessoa como ela nos envolve estreitamente? Ou era a nudez física? Tiramos a nossa roupa e deitamo-nos na cama com alguém, e é na verdade aí que vai ser descoberto o que quer que escondamos, a nossa particularidade, seja ela qual for e seja como for que esteja codificada, e é aí também que está a origem da timidez e o que toda a gente receia. Quanto de mim está a ser descoberto nesse louco lugar anárquico? Agora sei quem és."

Philip Roth

dezembro 17, 2009

Toca...

Toca em mim a insistência do teu corpo.

Toco frequentemente o som da tua voz.


José Maria de Aguiar Carreiro

Amanhã...

"(...)Amanhã, ou enquanto dormes - agora mesmo - vou pensar em ti. Intensamente: até que as horas me doam sobre a pele e o movimento dos dias passe como aves que perdem o sentido do voo - até que tudo o que me rodeia tome a forma do teu corpo. E em mim circules - quando estendo a mão por dentro da noite e te acordo, no fogo dos meus olhos.(...)"
Al Berto

dezembro 11, 2009

Numa daquelas noites...

"(...) numa daquelas noites boas eu disse-lhe que era destes pequenos beijos e daqueles gemidos sussuros que se faziam os grandes amores e as grandes alegrias."


António Alçada Baptista

dezembro 09, 2009

Talvez.

"talvez a gente ainda vá a tempo de dizer aos nossos mortos que gostamos deles e eles o consigam ouvir porque estão dentro de nós"


António Lobo Antunes

dezembro 04, 2009

Psicose.

Às vezes viro-me e cheiro o teu cheiro e não consigo continuar não consigo continuar foda-se sem exprimir esta merda física horrível merda dolorosa saudade que tenho de ti. Não posso acreditar que sinta isto por ti e tu não sintas nada. Não sentes nada?

(Silêncio)

Não sentes nada?

(Silêncio)

E saio às seis da manhã e começo à procura de ti. Se sonhei com uma rua ou um bar ou uma estação vou lá. E espero por ti.

(Silêncio)

Sabes, acho que estou a ser manipulada mesmo.

(Silêncio)

Na minha vida nunca tive problemas em dar às pessoas aquilo que elas queriam. Mas nunca ninguém fez isso por mim. Ninguém me toca, ninguém se aproxima de mim. Mas agora tocaste-me não sei onde tão fundo foda-se não posso acreditar não posso ser isso para ti. Porque não te consigo encontrar.

(Silêncio)

Como é que ela é?
Como é que vou reconhecê-la quando a vir?
Ela vai morrer, ela vai morrer, ela só vai morrer foda-se.

(Silêncio)

Achas que é possível alguém nascer no corpo errado?

(Silêncio)

Achas que é possível alguém nascer na era errada?

(Silêncio)

Vai-te foder. Vai-te foder. Vai-te foder por me rejeitares, por nunca aqui estares, vai-te foder por me fazeres sentir uma merda, vai-te foder por me fazeres sangrar amor e vida foda-se, que se foda o meu pai por me ter fodido a vida para sempre e que se foda a minha mãe por não o ter deixado, mas mais que tudo, vai-te foder Deus por me fazeres amar uma pessoa que não existe, VAI-TE FODER, VAI-TE FODER, VAI-TE FODER.

Sarah Kane

novembro 27, 2009

Escrever-te...

Escrever-te é fácil. Difícil é deixar que tu me leias.

novembro 26, 2009

Sei hoje que ninguém antes de ti
morreu profundamente para mim

Aos outros foi possível ocultá-los
na sua irredutível posição horizontal
sob a capa da terra maternal
Choramo-los imóveis e voltamos
à nossa irrequieta condição de vivos
Arrumamos os mortos e ungimo-los
São uma instituição que respeitamos
e às vezes lembramos celebramos
nos fatos que envergamos de propósito
nas lágrimas nos gestos nas gravatas
com flores e nas datas num horário
que apenas os mate o estritamente necessário
mas decerto de acordo com um prévio plano
tu não só me mataste como destruíste
as ruas os lugares onde cruzámos
os nossos olhos feitos para ver
não tanto as coisas como o nosso próprio ser
A cidade é a mesma e no entanto
há portas que não posso atravessar
sítios que me seria doloroso outra vez visitar
onde mais viva que antes tenho medo de encontrar-te
Morreste mais que todos os meus mortos
pois esses arrumei-os festejei-os
enquanto a ti preciso de matar-te
dentro do coração continuamente
pois prossegues de pé sobre este solo
onde um por um persigo os meus fantasmas
e tu és o maior de todos eles
não suporto que nada haja mudado
que nem sequer o mais elementar dos rituais
pelo menos marcasse em tua vida o antes e o depois
forma rudimentar de morte e afinal morte
que por não teres morrido muito mais tenhas morrido
Se todos os demais morreram de uma morte de que vivo
tu matas-me não só rua por rua
nalguma qualquer esquina a qualquer hora
como coisa por coisa dessas coisas que subsistem
vivas mais que na vida vivas na imaginação
onde só afinal as coisas são
Ninguém morreu assim como morreste
pois se houvesse morrido tudo estava resolvido

Os outros estão mortos porque o estão
Só tu morreste tanto que não tens ressurreição
pois vives tanto em mim como em qualquer lugar
onde antes te encontrava e te possa encontrar
e ver-te vir como quem voa ao caminhar
Todos eram mortais e tu morreste e vives sempre mais.

Ruy Belo

novembro 24, 2009

Solidão.

"A solidão de dois numa mesa.
A solidão de dois numa cama.
A solidão de dois, quando um só deles ama."

Vicente Gallego

novembro 20, 2009

Apenas uma boca. A tua boca.

Apenas uma boca. A tua boca
Apenas outra, a outra tua boca
É Primavera e ri a tua boca
De ser Agosto já na outra boca

Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
É já na proa a polpa de outra boca.

Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca

Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.

David Mourão-Ferreira

novembro 19, 2009

A minha intimidade...

A minha intimidade é pequena
cabe na minha boca
e desliza por entre os dentes;

se a descubro a fingir que é saliva
engulo-a,
não quero vê-la alheia nas palavras
nem perdê-la com um beijo.


Ana Merino

novembro 04, 2009

Guardas tudo de mim...

Guardas tudo de mim
– não sei se entendes
a ternura da dádiva –
também não te pergunto…
para quê?
O meu amor é isto:
desejar-te em segredo
pouco esperar do que vier de ti
e nada te pedir.


Maria Aurora Carvalho Homem

outubro 20, 2009

Chegarei...

Não sei como ir da minha vida à tua rua,
a tua rua cheia de perguntas,
a minha vida estranha sem respostas.
Mas chegarei. Porque tu me chamas.

Belén Sánchez

outubro 15, 2009

Soletra-o...

Conjuga um verbo que conheças
no presente do indicativo,
soletra-o na segunda pessoa
do singular ao meu ouvido,
dá-me qualquer coisa
que me pareça eterno.
José Rui Teixeira

outubro 14, 2009

A tua mão...

estende a tua mão contra a minha boca e respira,

e sente como respiro contra ela,

e sem que eu nada diga,

sente a trémula, tocada coluna de ara sorvo e sopro,

ó

táctil, ininterrupta,

e a tua mão sinta contra mim

quanto aumenta o mundo

Herberto Helder

setembro 30, 2009

Palavras

Sempre amei por palavras muito mais
do que devia

são um perigo
as palavras

quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada

e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos

um perigo
as palavras

mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero.

Alice Vieira

setembro 17, 2009

A tua boca.

Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida entre todas as bocas, escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender, coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da que a minha mão te desenha.
Olhas-me, de perto me olhas, cada vez mais de perto, e então brincamos aos ciclopes, olhando-nos cada vez mais de perto. Os olhos agigantam-se, aproximam-se entre si, sobrepõem-se, e os ciclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam sem vontade, mordendo-se com os lábios, quase não apoiando a língua nos dentes, brincando nos seus espaços onde um ar pesado vai e vem com um perfume velho e um silêncio. Então as minhas mãos tentam fundir-se no teu cabelo, acariciar lentamente as profundezas do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de uma fragrância obscura.
E se nos mordemos a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo do fôlego, essa morte instantânea é bela. E há apenas uma saliva e apenas um sabor a fruta madura, e eu sinto-te tremer em mim como a lua na água.

Julio Cortázar

setembro 13, 2009

Quando aqui não estás.

quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas
um rosto desenvolvendo-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta o coração
esse
solitário caçador
Al Berto

setembro 10, 2009

Casa

Vem aos meus sonhos.
Faz em mim a tua casa.

José Agostinho

setembro 07, 2009

Change

( foto de Vítor Martins)

The people that you love they change when you leave them behind.

Stuart Staples

setembro 03, 2009

Há dias

Há dias que simplesmente deveriam ser riscados do calendário. Hoje é um desses dias.

setembro 02, 2009

Rente aos meus lábios

Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um.

- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum.


Eugénio de Andrade

agosto 28, 2009

Se eu pudesse

Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.


Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guias
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.

Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.

Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva.

José Gomes Ferreira

agosto 25, 2009

Pele

Trago-te à flor da minha pele...

agosto 18, 2009

Sim...

Sim já sei que me queres,
sim já sei que te espanto.
Sim já sabes que vivo prisioneira
da tua recordação.
Sim já sabes que mantenho várias velas
acesas ao deus da esperança.
Se me ligas, a tua voz faz-me tremer
como se eu fosse uma folha.
Se te ligo, a tua resposta do outro lado
faz-me tremer como uma folha.
Sim já ambos sabemos que nem eu
nem tu podemos fazer nada.
Sim já é muito alguma coisa que fazemos,
sim já é um mundo inteiro
o montão de coisas que não fizemos.


Amalia Baptista

agosto 16, 2009

O teu sorriso

Poderia alimentar-me dele. Poderia passar o resto da minha vida, assim ,a ver-te sorrir. Cabe o meu mundo, dentro do teu sorriso. Não precisava de mais nada.

agosto 14, 2009

agosto 13, 2009

All I got

they say protect yourself
i say from what?
they say hold a little love inside
i say but i wanna give all i got


Lou Rhodes



agosto 03, 2009

Amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o amor antigo, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade

julho 31, 2009

Boca cheia

Amo-te porque não me amo inteiramente. O que me falta é infinito mas tu és do bem que me falta o enigma onde se condensam a terra e o sol o ar as águas invioladas e tenho a boca cheia de música ondulação do teu silêncio.


Casimiro Brito

julho 28, 2009

Fuga

Alto estou a teu lado
no Verão deitado

Alto no esplendor de possuir-te
e trocarmos silenciosamente
os frutos mais fundos da morte

Como se navegasse um rio
por dentro
e na tua fragilidade encontrasse
a minha força

Um caminho rigoroso de silêncio.


Casimiro de Brito

julho 23, 2009

Mais um


Bem sei que é só no sábado, mas mais uma vez, não me vou aproximar de computadores até segunda. Fica já aqui : ) Parabéns a mim!

julho 17, 2009

Porque metade de mim...

Que a minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço e que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada porque metade de mim é o que penso mas a outra metade é um vulcão. Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância porque metade de mim é a lembrança do que fui a outra metade não sei. Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito e que o teu silêncio me fale cada vez mais porque metade de mim é abrigo mas a outra metade é cansaço. Que a arte nos aponte uma resposta mesmo que ela não saiba e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer porque metade de mim é plateia e a outra metade é canção. E que a minha loucura seja perdoada porque metade de mim é amor e a outra metade também.

Osvaldo Montenegro

julho 13, 2009

Há na intimidade um limiar sagrado, encantamento e paixão não o podem transpor - mesmo que no silêncio assustador se fundam os lábios e o coração se rasgue de amor. Onde a amizade nada pode nem os anos da felicidade mais sublime e ardente, onde a alma é livre, e se torna estranha à vagarosa volúpia e seu langor lento. Quem corre para o limiar é louco, e quem o alcançar é ferido de aflição. Agora compreendes porque já não bate sob a tua mão em concha o meu coração.

Anna Akhmátova

julho 06, 2009

Quase nada

És já quase nada. E choro por isso. Por teres sido tanto durante tanto tempo, que agora sinto-me vazia e perdida por seres já tão pouco. As lágrimas já não correm como dantes. Aparecem por vezes, tímidas e escassas porque me ponho de propósito a pensar em ti.Não como dantes em que eras parte anatómica de mim e chorar-te era chorar-me. Tenho de propósito parar para pensar. E choro por isso. Choro só eu, tu já não. Tenho de construir novos sonhos, novas nuvens para nelas perder a cabeça e novas estrelas para lhes pedir desejos. E isso custa. E choro por isso. Cada música ouvida e cada poema lido já não têm nem o teu rosto nem a tua voz. Lugares onde antes te sentia presente estão agora cheios de outras presenças, as nossas, já não as sinto. Cheiros que me levavam a momentos tão intensos que quase me faziam deixar de respirar, agora têm só leve aroma a nada. Sou eu agora.Tenho-me a mim. Sózinha. Era como se me sentisse mais forte e mais acompanhada por ter dois corações em mim. Agora só tenho o meu e tem de aprender a bater por si. Sózinho.

junho 30, 2009

Fim da canção

"Chegámos ao fim da canção
E paro um pouco para dormir
É tarde pra voltarmos atrás
Já nem há motivo algum para rir
É como ouvir alguém dizer
Vê nessa procura
Uma razão
Para virar a dor para dentro
Que é virar o amor para dentro
Falo de um amar para dentro
Que é virar a dor para dentro."

Ornatos Violeta

junho 15, 2009

Rifa-se

Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração à moda antiga. Um covarde, moleque que insiste em pregar peças no seu usuário. Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos e cultivar ilusões. Um pouco inconsequente, que nunca desiste de acreditar nas pessoas. Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu: «Não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero!» ... Um idealista!!! Um verdadeiro sonhador... Rifa-se um coração que nunca aprende, que não endurece e mantém sempre a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso suícida que vive procurando relações e emoções verdadeiras. Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, que briga e que se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes, revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Esse coração tantas vezes incompreendido, tantas vezes provocado, tantas vezes impulsivo. Rifa-se este desequilibrado emocional que abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. Um órgão abestado, indicado apenas para quem quer viver intensamente e contra-indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções. Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer pra São Pedro na hora da prestação de contas: «O Senhor pode conferir, eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e se recusa a envelhecer». Rifa-se um coração ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconsequente. Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo. Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina. Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta.

Clarice Lispector

junho 11, 2009

Baby Blue



Perfeita!

junho 08, 2009

So true

"Constantly talking isn't necessarily communicating. "
In Eternal Sunshine of the Spotless Mind

junho 06, 2009

Ruínas


Quando alguém nos desilude, dói muito. Custa dar o braço a torcer quando ouvimos o típico " Eu bem te avisei e tu não quiseste ouvir-me". Mas os amigos querem sempre o nosso bem e quando nos veem iludidas e a tentar alcançar as estrelas, puxam-nos as pernas e trazem-nos de volta à Terra. É preciso que assim seja. Fantasiamos, idealizamos, sonhamos e às vezes, a maior parte das vezes,construímos um mundo só nosso, que ninguém entende. Nem é para entender, é para respeitar e aceitar. Os amigos verdadeiros fazem isso. Mas chega a altura, aquela altura certa em que precisamos de levar um abanão, ouvir um grito de realidade e chorar. Chorar pela desilusão da ilusão criada. E dói. Muito. O nosso mundinho construído, de repente desaparece e só ficam algumas imagens distorcidas, cartas escritas e nunca enviadas, músicas que tanto nos disseram. É tentar encaixotar tudo isso em alguma parte do nosso cérebro, parte escura e de difícil acesso para só voltar a ser lembrado quando formos grandes e fortes. Porque tudo o que ali foi construído, foi com amor, com dedicação, com muita entrega. E a dor faz-nos ficar pequeninos, frágeis. Que fazer então? Aninharmo-nos no colo do amigo que nos ama e que só quer que estejamos em paz. E esperarmos que a dor desapareça. Quando alguém nos desilude, dói muito.

junho 03, 2009

"You can just feel the details. The bits and pieces you never bothered to put into words. And you can feel these extreme moments… even if you don’t want to. You put these together, and you get the feel of a person. Enough to know how much you miss them."

In Memento

junho 01, 2009

Answer


Na verdade, o amor é tudo o que se avista quando se observa o coração do planalto de um abraço. Diante desse horizonte – macio e vasto – há quem ache o amor uma moda acabrunhada, quem se empanturre de tudo o que permita que não se dê pela sua falta, e quem pressinta que amar é ver mais longe (de cada vez que os olhos se fecham devagarinho, simplesmente). Os primeiros perdem-se nos sonhos. Os segundos olham-nos de cima (e, supostamente, exultam diante da ventura de não sonhar). Os terceiros fazem dos sonhos o passadiço do amor. Os que se perdem nos sonhos falam da ausência do amor, timidamente, evocando o cansaço. Ou reclamam-no, simplesmente, invadindo de ira todos os seus gestos. No fundo, temem-no, de tanto o desejarem (protelando-o, sempre, para depois). Vivem amarrotados pela distância que vai entre tudo o que sonharam e as brumas dos dias (que não lhes tiram os desejos nem lhos trazem, de surpresa). E dão-se conta dos sonhos que se perderam sempre que, por acidente, esbarram em relações de sonho. Os que o olham de cima supõem que são as manhãs de sol quem abre as persianas pelo coração. Acham o amor uma relação fora de moda e o melhor que conseguem é encontrar a pessoa dos seus sonhos... para os próximos dias. Não compreendem que a sedução é uma defesa contra os abraços. E não concebem que a segurança seja contar com o amor de alguém (em vez de estar seguro que a pessoa com quem se conta não conte, seguramente, para mais ninguém). Já os outros reconhecem que, quando ponderamos acerca do que gostamos numa pessoa, não gostamos dela: reparamos nos pormenores. E que, quanto mais preponderante é um amor, mais a iminência da sua perda nos revolve. Sabem, por mais que não as tenham, que há relações que iluminam a alma e que incendeiam a paixão. E que serão elas a quem chamamos amor. E que esse amor faz do que temos cá dentro uma democracia que nos torna, a todos, iguais nos sonhos e diferentes na forma de os vivermos. E é por isso que, diante das falhas do amor, somos todos crianças desamparadas entre um colo e as cavalitas (como se amar com resignação fosse uma casa de chocolate que, depois de nos distrair, acaba por nos comer). E que o que dói na dor é viverem dentro de nós pessoas que, perante o nosso sofrimento, digam, por palavras nossas: Afinal, quem és tu? Na verdade, amar é ver mais longe. Mais longe, até, do que se avista quando se observa o coração do planalto de um abraço. Saudar os sonhos com a inocência de quem procura neles um trilho especial. E perceber que tudo o que se sonha é pouco mais do que nada ao pé das relações que iluminam a alma e que incendeiam a paixão. E que só essas fazem dos sonhos o passadiço do amor.
Eduardo Sá

maio 27, 2009

O quê?

qualquer coisa se desprendeu de mim. alguma. coisa. se. desprendeu de mim. mas o quê?

Frederico Mira George

maio 26, 2009

Por aqui concorda-se.

Penso que o amor é muito difícil. Existem muitos obstáculos a que possa ser o absoluto que é. A palavra amor é uma palavra muito gasta, muito usada, e muitas vezes mal usada, e eu quando falo de amor faço-o no sentido absoluto... há uma série de outros sentimentos aos quais também se chama amor e que não o são. No amor é preciso que duas pessoas sejam uma e isso não é fácil de encontrar. E, uma vez encontrado, não é fácil de fazer permanecer.

José Luís Peixoto

maio 22, 2009

"Quem comete um erro é excluído; é fechado dentro de uma caixa. Quem está fora vê apenas a caixa. Mas quem está fechado, excluído, consegue ver cá para fora. Vê tudo, vê-nos a todos. Em cada compartimento há dezenas de caixas. Milhares de caixas por todo o lado. A maior parte delas vazia. Outras têm lá dentro pessoas excluídas. Ninguém sabe quais as caixas que têm pessoas. As caixas são tantas que ninguém lhes dá importância. Pode estar lá uma pessoa, até a que amas, mas nem olhas. Já não produzem efeito. Passas por elas centenas de vezes."

Gonçalo M. Tavares

maio 19, 2009

Vem aos meus sonhos

Vem aos meus sonhos, faz em mim a tua casa. Planta, em frente, a cerejeira dos pássaros brancos, deixa que eles pousem nos ramos e cantem eternamente, deixa que nas suas asas de luz eu leia o meu nome, antes de os relâmpagos acenderem os prados. Vem aos meus sonhos, vê os labirintos por onde me perco, vê os meus países do mar, , em cada barco que parte do meu coração, as viagens que não fiz, os amores que não tive, a luz cruel da minha solidão. Vem aos meus sonhos, traz um fio de água para as dálias do meu quarto vazio, não queiras que as suas pétalas sequem muito depressa, caindo pelos delicados muros de cristal, apagando a cor que dava vida aos aposentos do solitário. Deixa que ele evoque a secreta doçura das colmeias, e vem, vem aos meus sonhos, ilumina o meu domingo de cinzas, o meu domingo de ramos, o meu calvário, diz que estás aqui, nesta página que escrevo para nunca te esquecer.

José Agostinho Baptista

maio 13, 2009

Só quem ama...

quem ama pode
acabar assim, cheio de um riso louco.


jose agostinho baptista

maio 06, 2009

Num beijo meu... Saberás tudo o que calei.

Pablo Neruda

maio 02, 2009

Fechado

Quando um coração se fecha, faz muito mais barulho que uma porta.


António Lobo Antunes



abril 29, 2009

Não te pergunto

não te pergunto de onde chegas?,

porque sei para onde vais.

hoje é a hora exacta em que até o vento

até os pássaros desistem.

e a noite a teus pés é um instante

e um destino.

não te pergunto onde está o teu rosto,

tantas vezes ocluso e pisado sobre os ramos,

onde está o teu rosto?

nem te peço que incendeies o teu nome

numa nuvem nocturna,

nem te procuro.

és tu que me encontras.

ficas no rio que passa,

nada de um tempo que não existe,

nem correntes, nem pedra, nem musgo,

nem silêncio.


José Luís Peixoto

abril 23, 2009

Um dia

um dia, quando a ternura for a única regra da manhã, acordarei

entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela. e a luz

compreenderá a impossível compreensão do amor. um dia, quando

a chuva secar na memória, quando o inverno for tão distante,

quando o frio responder devagar como a voz arrastada de um velho,

estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da nossa janela.

sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso será culpa

minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi nem uma

palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar a

perfeição da felicidade.


José Luís Peixoto