março 31, 2009

“Quero escrever-te até encontrar onde segregas tanto sentimento”. Continuarei a escrever porque ainda não encontrei nada.


Adélia Prado

março 28, 2009

Tão verdade...


"Os meus sentimentos deviam guardá-los, ainda lhe podiam fazer falta, e a mim não me serviam de nada. Devia tê-lo aconselhado a guardar os sentimentos, nunca sabemos quando precisamos dos sentimentos. Da latinha de fermento que está há anos na despensa, da camisola de lã que não é vestida há mais de cinco Invernos, nunca se sabe quando precisamos de coisas mesmo se nunca as utilizamos. Não fosse essa incerteza e punha um anúncio no jornal, vendem-se sentimentos, estado impecável, como novos, oportunidade única, motivo mudança de vida, bom preço."


Dulce Maria Cardoso


março 25, 2009

Dores

" De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia - talvez vá mesmo para a cama contigo."

Vergílio Ferreira



março 19, 2009


o amor é uma casa onde cabem dois corpos
e os gestos entre eles.imaginemos que não se pode falar
e coloquemos uma ameixa madura no lugar da boca.
qual dos amantes dará o primeiro beijo?
a noite não tem olhos. um corpo sabe do outro corpo
apenas porque cheira. um corpo não sabe quem é o
outro corpo. são um homem e uma mulher.
mas, no silêncio, só há dedos e línguas.o toque é a linguagem,
a magia de ser vento numa carícia.e assim conversam os amantes.
imaginemos que podem escrever uma palavra.
têm apenas o corpo um do outro.
e, no lugar da boca,ameixas que sangram beijos. quando as línguas se afastam,
a noite abre os olhos com ternura.os dedos dele penetram o corpo dela.
no momento em que ele vai escrever
uma palavra no seu interior,
nesse exacto momento em que o amor é um gesto circular,
e a voz apenas um fio, ela sussurra:
escreve o teu nome.
Alice Macedo Campos

março 16, 2009

É muito bom e faz muito bem...


Sair dos dias. Não dormir. Não falar com ninguém. Ficar de fora do lá de fora. Ocupar o coração. À força. Ser como ele.
É muito bom e faz muito bem.
Espera-se um bocadinho e, pouco a pouco, ele começa a correr para dentro de nós, aflito por atenção. Traz as coisas que adiámos, em que não reparámos, que não tivemos tempo de cuidar. E primeiro vêm as mágoas. A felicidade que recusámos. Sem saber. Sempre sem saber. A tristeza de que fugimos. Voltam.

É muito bom e faz muito bem.

Sair de nós. Cair nos outros. Não escrever. Ler. Não pensar. Lembrar. Os amigos quietos. O murmúrio do riso que riram. A família parada. O colo onde cabe a cabeça. O amor adormecido. Estas coisas acordam. E sossega saber que nós não somos nada sem eles. E mesmo com eles, quase nada. Escravos de carinhos somos nós, seguindo atrás, de braços abertos, numa fila sem fim.

É muito bom e faz muito bem.

Sair dos trabalhos, do dinheiro, das palavras que nada querem ou conseguem dizer. Fazer gazeta. Faltar. Desobedecer. É um trabalho também. Não ir. Não responder. Não entregar. É cumprir também. Desmergulhar. Desfazer. Desacontecer. São tarefas também. Ainda mais difíceis, talvez.

É muito bom e faz muito bem.

Sair da ordem. Cair na doçura do acaso. Trocar de caos. Descer. Vestir a mesma roupa. Não fazer a barba. Beber. Fumar. Sem pausa. Sem razão. Ceder. Emergir. Abandalhar. Fazer o que não se está a fazer. Esticar a corda. Não atender. Desarrumar os livros. Passear pela casa como se fosse uma cidade destruída. Estragar.

É muito bom e faz muito bem.

Sair da vontade. Cair na estupidez. Não descansar. Ver televisão numa língua que não se compreenda. Forçar. Esquecer. Fazer o que não apetece fazer. Contrariar. Confundir. Comer atum de conserva com uma colher. Pôr o despertador para acordar mal se comece a adormecer. Dizer disparates em voz alta. Todos agora. Virar o bico ao prego. Arrepiar. Arrepender.

É muito bom e faz muito bem.

Sair do corpo. Cair na alma. De chapão. Sem ver nada à frente. Receber os mistérios. Sem cerimónias. Sem compreender. Ser absorvido. Subjugado. E agradecer. Perder o norte, o fio, os sentidos. E gostar. Divertir. Desprender. Chafurdar na lama. Acriançar. Rir. Começar a chorar. Ser levado, enlevado, enganado, desprotegido, confuso, cruel. Desviado.

É muito bom e faz muito bem.

Sair da vida. Cair na morte. Sofrer. Iludir. Acabar. Permanecer na cama. Pensar em tudo o que se faz como se fosse a última vez. Esmorecer. Querer voltar atrás e fingir que já não se pode. Confessar. Pedir. Esvaziar. Ter pena de quem se foi e do que se fez. Rejeitar o perdão, a redenção, a última oportunidade.

É muito bom e faz muito bem.

É tão bom e faz tanto bem que, às vezes, cada vez mais, não apetece regressar. Tanto que só nos resta levantarmo-nos de onde caímos e, deixando-nos conduzir por tudo o que nos tolheu os passos desde o dia em que começamos a errar, na contramão das nossas almas, só nos resta procurar um sítio onde a nossa ida não se reconhece, não se aceita, não faz sentido, e entrar.

Entrar aqui. Daqui de onde nunca se sai. E ficar.

Miguel Esteves Cardoso

março 12, 2009

ontem chorei. por tudo que fomos. por tudo o que não conseguimos ser. por tudo que se perdeu. por termos nos perdido. pelo que queríamos que fosse e não foi. pela renúncia. por valores não dados. por erros acometidos. acertos não comemorados. palavras dissipadas. chorei pela guerra quotidiana. pelas tentativas de sobrevivência. pelos apelos de paz não atendidos. pelo amor derramado. pelo amor ofendido e aprisionado. pelo amor perdido. pelo amor. pelo respeito empoeirado em cima da estante. pelo carinho esquecido junto das cartas envelhecidas no guarda- roupa. pelos sonhos desafinados. estremecidos. adiados. pela culpa. toda a culpa. minha. sua. nossa culpa. por tudo que foi. e foi. e voou. e não volta mais pois que hoje é já outro dia. chorei. eu chorei. apronto agora os meus pés na estrada. ponho-me a caminhar sob sol e vento. eles secam as lágrimas. vou ali ser feliz e já volto.


Caio Fernando Abreu

março 10, 2009



Gostava de acordar todos os dias assim: cair sem almofada em cima da realidade. Com a certeza de que seguir em frente é o único caminho. Sem me perder em mundos e noites que não me pertencem.
Alice Lemarin

março 09, 2009

Faltou-me viver onde estava
mas ensinei-me
a não estar completamente onde estive
e a cidade dormindo em mim
não me viu entrar
na cidade que em mim despertava

Houve lágrimas que não matei
porque me fiz
de gestos que não prometi
e na noite abrindo-se
como toalha generosa
servi-me do meu desassossego
e assim me acrescentei
aos que sendo toda a gente
não foram nunca como toda a gente.

Mia Couto

março 08, 2009

Come sail your ships around me and burn your bridges down...



Mais uma daquelas que me provoca assim uns arrepios...Ui,ui... : p

março 04, 2009

Written a long time ago... A life time ago...

Amo-te.
Um amor que vem de dentro, forte, puro verdadeiro. Um amor de fazer corar os mais cépticos, um amor de fazer corar aqueles que dizem " amo-te " em vão. Porque o " amo-te " tem de ser sentido em cada milímetro do ser. Tem de começar no coração, passar por todos os nervos e artérias e veias e acabar num sussurro. Um sussurro dito pela boca que espera um beijo. Um beijo de " amo-te ".
Amo-te sem vergonhas, sem complexos, sem medos. Amo-te incondicionalmente, apaixonadamente, fisicamente, carnalmente, silenciosamente. E é neste silêncio que guardo o meu amor. O maior e o mais desejado de sempre. Amote assim. Sem espaços nem tracinhos. Totalmente.