outubro 30, 2007


"Há pequenos sons que assentam sobre o silêncio."


José Luis Peixoto

outubro 27, 2007

Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.
Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei
para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.
Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.
António Gedeão

outubro 26, 2007


"Quanto mais longe, mais perto me sinto de ti, como se os teus passos estivessem aqui ao pé de mim e eu pudesse seguir-te e falar-te e dizer-te quanto te amo e como te procuro, no meio de uma destas ruas em que te vejo, zangado de saudade, no céu claro, no dia frio. Devolve-me a minha vida e o meu tempo. Diz qualquer coisa a este coração palerma que não sabe nada de nada, que julga que andas aqui perto e chama sem parar por ti."



Miguel Esteves Cardoso

outubro 25, 2007


"E nunca me aproximei tanto do teu corpo. O teu cheiro surpreendeu-me pela delicadeza e pela névoa erótica. Encostei o meu braço ao teu e comecei a transpirar. Sentia uma vontade enorme de me desmorenar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra, o amor não se faz. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos! Também não era foder, fornicar, copular - essas palavras violentas com que tentam rebentar o amor. Como se fosse possível. Apenas queria oferecer-te o meu corpo para o absorveres no teu! "
Inês Pedrosa in " Fazes-me falta"

outubro 23, 2007

Escolho os meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Têm que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não me interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero o meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo loucos.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho os meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também as suas maiores alegrias.
Amigos que não riem juntos, não sabem sofrer juntos.
Meus amigos são todos assim: metade parvoíce, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade a sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois vendo-os loucos e santos, “parvos” e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril
Autor desconhecido

outubro 20, 2007

Custa

Custa muito ver o rosto crispado
desfeito, lágrima contida convulsa,
na ponta da palavra nova e agreste
desespero de ver-se além do outro.
Custa julgar e mais julgar-se
ultrapassar o fosso da diferença
cair em si, destapar a fossa
das palavras não ditas, ocultas.
Não acusar as mágoas custa,
mas deixá-las cair mais além
morder o desespero do não feito
e guardá-lo, só para si, é muito.
Eduardo Graça

outubro 19, 2007



"Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto
como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos
tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei
eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz
Deixa-te estar aqui
perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares
procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui"
In " Tu estás aqui" Ruy Belo

outubro 16, 2007

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar.
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito.
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Vinicius de Moraes

outubro 11, 2007


Uma brisa ergue-se no interior da terra e chega a mim, à consciência de mim: o meu rosto, os meus lábios, o meu corpo tocado por essa brisa. Caminho por entre essa brisa a passar por mim, como se atravessasse uma multidão invisível. A brisa, ao tocar os meus olhos, transforma-se em lágrimas que descem frias pelo meu rosto. Os meus lábios. Sinto-as e sinto a memória das vezes que chorei o desespero parado, mais triste, de lágrimas que descem lemtamente pelo rosto. O tempo passa por mim como qualquer coisa que passa por mim sem que a consiga imaginar e as lágrimas, que eram apenas a brisa a tocar os meus olhos, começam a ser lágrimas de despero verdadeiro. Paro no passeio. O mundo pára. E lembro-me de ti como uma faca, uma faca profunda, a lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim.


José Luis Peixoto

outubro 06, 2007

Caaaaaarrrriiieeeeee!



Minha nossa Sra!O que eu gostava deste grupo quando era chavalinha...E tinha posters que tirava da Bravo, que na altura era só em alemão mas isso não interessava nada. O importante era ter a cara linda do vocalista..Ou pelo menos na altura eu achava que era giríssimo.Agora...lol O cabelo mais armado que o da Lili Caneças, o fiozinho ao pescoço, o casaquinho( que bom gosto na escolha..; p)Nem sei que diga..Do que uma pessoa gosta quando é canuca. Mas continuo a saber a música de cor e tenho orgulho nisso! Mai nada...

outubro 05, 2007



Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço

em que de penetrar-te me senti perdido

no ter-te para sempre

-Quanto de ter-te me possui em tudo

o que eu deseje ou veja não pensando em ti

no abraço a que me entrego

-Quanto de entrega é como um rosto aberto,

sem olhos e sem boca,

só expressão doridade quem é como a morte

-Quanto de morte recebi de ti,

na pura perda de possuir-te em vão

de amor que nos traiu

-Quanta traição existe em possuir-se a gente

sem conhecer que o corpo não conhece

mais que o sentir-se noutro

-Quanto sentir-te e me sentires não foi

senão o encontro eterno que nenhuma imagem

jamais separará

-Quanto de separados viveremos noutros

esse momento que nos mata para

quem não nos seja e só

-Quanto de solidão é este estar-se em tudo

como na auséncia indestrutível que

nos faz ser um no outro

-Quanto de ser-se ou se não ser o outro

é para sempre a única certezaque nos confina em vida

-Quanto de vida consumimos pura

no horror e na miséria de, possuindo, sermos

a terra que outros pisam

-Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,

recebo gratamente como se recebe

não a morte ou a vida,

mas a descoberta

de nada haver onde um de nós não esteja.
Jorge de Sena

outubro 01, 2007

Tocas um corpo, sentes-Ihe o repetido tremor

sob os teus dedos, o cálido andamento do sangue.

Observas-lhe o lânguido amolecimento,

as suas sombras corporais, o seu desvelado esplendor.

Não há palavras. Tocas um corpo; um mundo

enche agora as tuas mãos empurra o seu destino.

Estira-se o tempo nos pulmões

silva como um chicote rente aos lábios.As horas, o instante, detêm-se,

extrais aí a tua pequena parcela de eternidade.Antes foram os nomes e as datas.

a história tão clara e lúcida de dois rostos distantes.Depois aquilo a que chamas amor,

talvez se transforme em promessa arrancada,muro erguido que pretende encerrar

aquilo que só em liberdade pode ganhar-se.Não importa, agora nada importa.

Tocas um corpo, nele te fundes,apalpas a vida, real, comum. Já não estás só.

Juan Luis Panero