novembro 28, 2008

Quando te vi amei-te já muito antes.

Tornei a achar-te quando te encontrei.

Nasci para ti antes de haver o mundo.

Não há cousa feliz ou hora alegre

Que eu tenha tido pela vida fora,

Que o não fosse porque te previa,

Porque dormias nela tu futuro.


Fernando Pessoa

novembro 25, 2008

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Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade



novembro 22, 2008

A saudade fará mais por nós dois

que nosso amor

e sua desajeitada irreflectida permanência.



Martha Medeiros



novembro 21, 2008

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A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova.

Baldado esforço o teu de querer sentir outras coisas sem sentires de outra maneira, e sentires de outra maneira sem mudares de alma.
Porque as coisas são como nós as sentimos - há quanto tempo sabes tu isto sem o saberes?
- e o único modo de haver coisas novas, de sentir coisas novas é haver novidade no senti-las.
Muda de alma. Como? Descobre-o tu.»

Fernando Pessoa


novembro 20, 2008


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Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo, num sítio em que ambos nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma das ocorrências da vida venha interferir no que temos para nos dizer. Muitas vezes me lembrei de que esse sítio podia ser, até, um lugar sem nada de especial, como um canto de café, em frente de um espelho que poderia servir de pretexto para reflectir a alma, a impressão da tarde, o último estertor do dia antes de nos despedirmos, quando é preciso encontrar uma fórmula que disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É que o amor nem sempre é uma palavra de uso, aquela que permite a passagem à comunicação mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale, de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio ser, como se uma troca de almas fosse possível neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e me peças: Vem comigo!, e devo dizer-te que muitas vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde, isto é, a porta tinha-se fechado até outro dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que é também a mais absurda, de um sentimento; e, por trás disso, de que o mundo há-de ser outro no dia seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.


Nuno Júdice



novembro 15, 2008

Vou guardar as tuas mãos na paixão que tenho por ti,
mas não te posso revelar o meu nome, nem precisas de o saber.
Chama-me o que quiseres, dá-me um nome para que possamos amarmo-nos.
Aquele que tinha perdi-o no caminho até aqui.
Pertencia a outra paixão, e já a esqueci.
Dá-me tu um nome para eu poder ficar contigo...

Al Berto


novembro 11, 2008

Este pássaro que nasceu não sei de onde,
que atravessa com o seu voo a imprecisão
da minha noite, que rasga com a lâmina
das suas asas a mortalha da insónia,
foi apanhado por um caçador de furtivos
silêncios. Agora, debate-se na gaiola
do esquecimento; recusa o poleiro para
que o cansaço o empurra; despeja
o bebedouro do tédio que lhe trazem
com a alpista das palavras. Já não canta;
e os seus olhos reflectem um horizonte
cego, como se tivesse perdido o rumo
das migrações. Mas não morre; e
ouço-o debater-se dentro de mim, quando
lhe aceno com o azul, e uma esperança
de céu o obriga a sonhar.

Nuno Júdice


novembro 10, 2008

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Nua és tão simples como uma de tuas mãos,
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tens linhas de lua, caminhos de maçã,
nua és magra como o trigo nu.
Nua és azul como a noite em Cuba,
tens trepadeiras e estrelas no pêlo,
nua és enorme e amarela
como o verão numa igreja de ouro.
Nua és pequena como uma de tuas unhas,
curva, subtil, rosada até que nasça o dia
e te metes no subterrâneo do mundo
como num longo túnel de trajes e trabalhos:
tua claridade se apaga, se veste,
se desfolha
e outra vez volta a ser uma mão nua.
Pablo Neruda

ps - Sim J. Pablo Neruda, O carteiro de Pablo Neruda ; p


novembro 07, 2008

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Algum dia eu haveria de entrar na normalidade dos que te amam. Amo-te. E dói escrevê-lo (que é pior, meu amor, do que dizê-lo). Amo-te absoluta, impossível e fatalmente. E ouço, adolescente, uma música adolescente, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor é música, acústica da alma que quer ser devorada, e, neste caso, dor (tão deliciosamente insuportável) de amar sem sequência nem expectativa de contrapartida, amar unicamente o puro objecto que desgraçadamente amamos. Isto é uma carta de amor, e é possivelmente ridícula prova maior de que é, realmente, uma carta de amor), ou porque perdi o hábito de as escrever, ou porque nunca tive a coragem de as enviar. Não percebes porque é que não te falo? Ainda não percebes que, na personagem que de mim eu enceno, não cabe a ameaça de uma derrota, a antecipação do desencanto, a sombra de um vexame? Não te falo, para não saber que o que eu te digo é apenas a forma contida de te dizer outra coisa, mas que essa coisa não é do teu mundo, nem do mundo que eu construí, nem do precário mundo que a nossa fragilíssima ternura mútua arquitectou. E tudo isto é literário, eu sei, mas – que queres? -, a literatura é o melhor de mim e é o melhor de mim que vive dentro da minha cabeça quando estou contigo. E depois afastamo-nos. Beijo-te a correr, não sei se já reparaste, e quase fujo, porque sair de ao pé de ti é regressar ao que não és tu, o teu olhar e as tuas mãos, a tua alma e a tua voz, e isso, meu amor, transformou-se no insuportável intervalo entre dois encontros. Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor): eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mitificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade. Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir. Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim. Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas em ti como tu ficas no mundo: exactamente. Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto, é preciso enviá-la para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim. (E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tuem mimque me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)


António Mega Ferreira

novembro 06, 2008


"Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra"


António Ramos Rosa





novembro 05, 2008


Um dia talvez faça sentido a tua fuga urgente
e fria
pela calada do silêncio.
Só então perdoarei o tempo
pela dor de não te ter tido
nem ter sabido de cor.

Podias ter sido um barco
a navegar no mesmo ritmo das ondas,
mas não. Quiseste ser vento contrário...

Mas tudo tem duas faces.
A tristeza é só a outra face da alegria
tal como a morte é só a outra face da vida.
Este amor tem duas faces:nós...
e nós somos apenas tu e eu,
o desencontro na volta lenta da vida
o reencontro além do tempo.

Logo chegará o dia
em que o teu espaço será o meu espaço
e o teu tempo será o meu tempo
e jamais haverá sinais a apontar destinos
proibidos.
Seremos apenas nós,
com a certeza de um amor sobrevivente
na memória longínqua do olhar.
E será pelo olhar que nos reconheceremos...

Hoje eu sei que não vou morrer por não te ter,
porque um dia
atravessarei o portão desconhecido
e, ainda que tu não saibas,
levar-te-ei comigo...

e se não posso ter-te aqui,
ter-te-ei além
onde os barcos navegam sem vento...

ainda que não te tenha nunca...


Maria José Quintela