agosto 31, 2007

Navega


Navega,
descobre tesouros,
Mas não os tires do fundo do mar,
o lugar deles é lá.
Admira a Lua,
sonha com ela,
Mas não queiras trazê-la para Terra.
Goza a luz do Sol,
deixa-te acariciar por ele.
O calor é para todos.
Sonha com as estrelas,
apenas sonha,
elas só podem brilhar no céu.
Não tentes deter o vento,
ele precisa correr por toda a parte,
Ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.
As lágrimas?
Não as seques,
elas precisam correr na minha,
Na tua,
em todas as faces.
O sorriso!
Esse deves segurar,
não o deixes ir embora,
agarra-o!
Quem amas?
Guarda dentro de um guarda jóias,
tranca, perde a chave!
Quem amas é a maior jóia que possuis,
a mais valiosa.
Não importa se a estação do ano muda,
se o século vira
Conserva a vontade de viver,
não se chega a parte alguma sem ela.
Abre todas as janelas que encontrares
e as portas também.
Persegue o sonho,
mas não o deixes viver sozinho.
Alimenta a tua alma com amor,
cura as tuas feridas com carinho.
Descobre-te todos os dias,
deixa-te levar pelas tuas vontades,
Mas não enlouqueças por elas.
Procura!
Procura sempre o fim de uma história,
seja ela qual for.
Dá um sorriso
àqueles que esqueceram como isso se faz.
Olha para o lado,
há alguém que precisa de ti.
Abastece o teu coração de fé,
não a percas nunca.
Mergulha de cabeça
nos teus desejos e satisfá-los.
Agoniza de dor por um amigo,
só sairás dessa agonia se
conseguires tirá-lo também.
Procura os teus caminhos,
mas não magoes ninguém nessa procura.
Arrepende-te,
volta atrás,
pede perdão!
Não te acostumes
com o que não te faz feliz,
Revolta-te quando julgares necessário.
Enche o teu coração de esperança,
mas não deixes que ele se afogue nela.
Se achares que precisas de voltar atrás,
volta!
Se perceberes que precisas seguir,
segue!
Se estiver tudo errado,
começa novamente.
Se estiver tudo certo,
continua.
Se sentires saudades,
mata-as.
Se perderes um amor,
não te percas!
Se o achares,
segura-o!
Fernando Pessoa

agosto 30, 2007


Não é o coração
mas teu silêncio
de intenso furor.
Não é o coração
mas as mãos
sem corpo, vazias.
Na grave melodia
de um instante
tu e eu
em desequilíbrio
na infame
consistência
de um absoluto
obstáculo.
Ana Marques Gastão

Dance me till the end of love




Há tanto tempo que não ouvia isto...Um grande clássico da minha cada vez mais longínqua adolescência ; p

agosto 28, 2007

"(...) foi então que dei por mim a existir para lá da tua morte, como se asfixiasse. mas o passado não é senão um sonho. uma brincadeira com clepsidras avariadas e algum sangue.não vale a pena estar triste.todas as histórias, todas as mortes, acabam por se apagar."

Al Berto

agosto 25, 2007



Andar?! Não me custa nada!...


Mas estes passos que dou


Vão alongando uma estrada


Que nem sequer começou.





Andar na noite?!Que importa?...


Não tenho medo da noite


Nem medo de me cansar:


Mas na estrada em que vou,


Passo sempre à mesma porta...





E começo a acreditar


No mau feitiço da estrada:


Que se ela não começou


Também não foi acabada!





Só sei que,neste destino,


Vou atrás do que não sei...


E já me sinto cansada


Dos passos que nunca dei.





Natália Correia

agosto 22, 2007

Quando vires os teus olhos a verem-te, quando não souberes se tu és tu ou se o teu reflexo no espelho és tu, quando não conseguires distinguir-te de ti, olha para o fundo dessa pessoa que és e imagina o que aconteceria se todos soubessem aquilo que só tu sabes sobre ti.

José Luís Peixoto

agosto 20, 2007

Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer.
Caetano Veloso

agosto 19, 2007









Não conheço os lugares onde não estás.
Albano Martins

agosto 18, 2007

Eu sei



Eu sei que há quem a ache pirosa, ranhosa, lamechas e tudo e tudo e tudo..Eu também acho..Mas gosto! Que hei-de fazer... ; p

agosto 17, 2007

Tenho tanto sentimento


Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço,
ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Fernando Pessoa

agosto 14, 2007

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces


Estendendo-me os braços, e seguros


De que seria bom que eu os ouvisse


Quando me dizem: "vem por aqui!"


Eu olho-os com olhos lassos,


(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)


E cruzo os braços,


E nunca vou por ali...


A minha glória é esta: Criar desumanidade!


Não acompanhar ninguém. - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade


Com que rasguei o ventre à minha mãe


Não, não vou por aí!


Só vou por onde


Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde


Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,


Redemoinhar aos ventos,


Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,


A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi


Só para desflorar florestas virgens,


E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!


O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós


Que me dareis impulsos,


ferramentas e coragem


Para eu derrubar os meus obstáculos?...


Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,


E vós amais o que é fácil!


Eu amo o Longe e a Miragem,


Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide!


Tendes estradas,


Tendes jardins, tendes canteiros,


Tendes pátria, tendes tectos,


E tendes regras,


e tratados, e filósofos, e sábios...


Eu tenho a minha Loucura !


Levanto-a, como um facho,


a arder na noite escura,


E sinto espuma, e sangue,


e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que guiam,


mais ninguém.


Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;


Mas eu, que nunca principio nem acabo,


Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!


Ninguém me peça definições!


Ninguém me diga: "vem por aqui"!


A minha vida é um vendaval que se soltou.


É uma onda que se alevantou.


É um átomo a mais que se animou...


Não sei por onde vou,


Não sei para onde vou


- Sei que não vou por aí!



José Régio

agosto 06, 2007

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca,
tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e
invento exclamações alegres,
porque a ausência,
essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade

agosto 01, 2007

Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.
Ary dos Santos