janeiro 10, 2008

Mesmo a calhar...

" Anda para aí uma praga de gente boa que incomoda os outros, como eu. São contra os vícios, contra os pecados, contra o excesso de sentimentos. Não se enervam, não levantam a voz, não discutem.(...)Não fumam, não bebem, não comem carne. (...)São macrobióticos, vegetarianos ou especialistas em comida alternativa, como unção de algas com finas fatias de peixe branco de Vanuatu.(...)Gostam de conversas calmas, de sentimentos controlados, de comida sem cheiro, de móveis de design, de linhas depuradas e rectas, como o próprio corpo que cultivam. Enfim, acreditam nessa verdade, mais perigosa de todas as outras, que é a possibilidade de um mundo perfeito.(...) Se são homens, não têm filhos porque lhes estraga a carreira e tiram a "liberdade"; se são mulheres, estragam-lhes a figura e a "liberdade". Sim, porque eles são livres: não prestam tributo ao vício e só respondem por si próprios. A "liberdade" ensinou-os a planear, a prever; fogem do acaso e das circunstâncias como se foge de um intruso nocturno. O que fazer com esta gente? Como ousar entendermo-nos se a simples aproximação parece constrangê-los? Somos um monte de pecados e vícios que bate à porta da virtude. E é desesperadamente verdade que eles estão certos; é certo que viverão muito mais que nós; é certo que eles estão livres de colesterol, de cirroses e de efizemas pulmonares; é certo que não morrerão de stress, nem de desgostos de amor, nem de aflições paternais; é provável que nem sequer morram - de coisa alguma. Livrai-os Senhor, dos males do mundo, da condição de homens, dos caracóis com oregãos e do cheiro das sardinhas assadas. Sim, dai-lhes Senhor o eterno descanso."


Miguel Sousa Tavares

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