junho 17, 2006

Todos os homens são maricas quando estão com gripe

A mais pura das verdades... ; p


Pachos na testa
terço na mão
uma botija
chá de limão
zaragatoas
vinho com mel
três aspirinas
creme na pele
grito de medo
chamo a mulher
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer
mede-me a febre
olha-me a goela
cala os miúdos
fecha a janela
não quero a canja
nem a salada
ai Lurdes Lurdes
não vales nada
se tu sonhasses
como me sinto
já vejo a mortenunca te minto
já vejo o inferno
chamas diabos
anjos estranhos
cornos e rabos
vejo os demónios
nas suas danças
tigres sem listras
bodes de tranças
choros de coruja
risos de grilo
ai Lurdes Lurdes
que foi aquilo
não é chuva
no meu postigo
fica comigo
não é o vento
a cirandar
nem são as vozes
que vêm do marnão
é o pingode
um torneira
põe-me a santinha
à cabeceira
compõe-me a colcha
fala ao prior
pousa o Jesus
no cobertor
chama o doutor
passa a chamada
ai Lurdes Lurdes
nem dás por nada
não te levantes
que fico só
aqui sozinho
a apodrece
rai Lurdes Lurdes
que vou morrer.

António Lobo Antunes

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